Aviso à leitura: este texto contém linguagem forte e desproporcionada a indivíduos mais sensíveis a palavras como... merda.
Falta às gentes deste país aprender a mandar à merda. Há poucas coisas tão satisfatórias como um bom ‘’vai à merda’’ seja mais baixinho porque o outro é o patrão, ou bem alto porque o ouvinte não nos apanha para potenciais represálias físicas. Mandar à merda torna-nos humanos. Aquele que se rende à raiva é um animal, aquele que aproveita a raiva e ao invés de explodir conseguir traduzi-la num bom ‘’vai à merda’’ é um ser humano.
Mandar alguém ao calão dos dejectos pessoais é mais que apenas um insulto. É uma partilha de estado espírito ao nível que só os poemas de Amor – dos bons – atingem. Quando se diz ‘’olha vai à merda’’ aponta-se a condição humana que o que diz partilha com o que ouve. Mandar à merda um cão é indiferente. O bicho abana a cauda e segue caminho. Mandar à merda outra pessoa cria uma reacção no outro. Prova ao outro que ele está vivo, no mínimo. Mandar o outro ao dito sítio, normalmente mal-cheiroso, é um favor que se presta à própria humanidade. Esta é a análise sócio-humanista do indicar o caminho mais directo à merda a uma pessoa.
Passemos, então, aos benefícios da saúde que esta expressão acarreta. Logo à partida, um alívio generalizado do stress quotidiano. Devia ser instaurada, enquanto prática comum, a prescrição de um número de mandamentos à merda por dia. Tal como se faz com a água – deve-se beber pelo menos dois litros por dia – apoiaria um estudo que me dissesse quantos vezes, por dia, deveria mandar alguém à merda, de modo a salvaguardar alguma da sanidade que me resta. É fácil imaginar uma consulta médica deste género:
‘’Ó senhor doutor, como está? Olhe, eu cá para mim, estou péssimo. É a mulher, o emprego e o cão do vizinho. Estou com dores nas costas, ando sempre mal disposto. Não tem desses comprimidos que os famosos tomam, os xanaxes e assim?’’ – queixa-se o paciente.
‘’Meu caro, não sabe das novidades? O governo lançou um estudo que permite poupar nos comprimidos. Olhe receito-lhe seis ‘’mandares à merda’’, é o nome técnico. Dois de manhã, à mulher e ao vizinho, três depois da hora de almoço ao chefe, e antes de se deitar mais um à mulher.’’ – responde o médico, especializado em problemas relacionados com stress quotidiano.
Seria uma maneira fácil de resolver os problemas das gentes sem problemas.
No entanto, a crítica a esta método alternativo de vivência diz que assim a vida pode ter muitos dissabores. Porque as pessoas não gostam de serem mandadas ao resultado da refeição do dia anterior. Pois não, mas este método – usado nas grandes capitais do sítio onde são praticadas – promove, tal como o óbvio indica, um conjunto enorme de relações pessoais. Ora, mandar à merda um, implica que esse mande à merda outro e assim sucessivamente. Há sempre alguém a mandar à merda. E por cada ponto neste ciclo vicioso cria-se a desejada sensação de alívio.
Portanto, tentem. Vão à merda. E havemos de nos encontrar lá.