Olá Deus,
Já ouvi falar muito de ti. Coisas boas, outras nem tanto. Eu, eu nem gosto muito de ti. Sempre te vi sobrevalorizado e nunca deste provas disso. Permites coisas que não deverias e dizes – ou dizem por ti – que é livre-arbítrio. Comecei a não gostar de ti por causa daqueles que te representam. São as igrejas e religiões que, no inicio, me criaram um desconforto em relação a ti. Quando era pequeno, diziam que eras perfeito e capaz de tudo. Diziam também que sabias as coisas antes de acontecerem. Pior ainda, a maneira como eras defendido nunca se justificava à tua suposta perfeição. Sem falhas, devias fazer mais e melhor. Devias impedir catástrofes, doenças e acidentes. Devias ajudar. Se eu fosse Deus, não conseguiria manter-me quieto enquanto via todo o mal a acontecer.
Mas, como deves saber, o rascunho deste texto é muito mais agressivo. Enquanto o escrevia – e admitamos que consegues ver tudo – até te insultei. Chamei-te idiota, disse que seria melhor Deus que tu em qualquer situação. Se tu existes, como é que deixaste que me acontecesse tantas coisas más? A mim, e a tantos outros? Como sabes, escrevi-te uma carta e fui dormir. No dia a seguir a minha avó conseguiu mexer a perna esquerda. Ela teve um AVC e eu critiquei-te. Insultei-te. Apetecia-me bater-te por permitires uma coisa destas a uma pessoa que te ama muito mais que eu alguma vez conseguirei. No entanto, no dia a seguir, quando acordei, disseram-me que ela mexia a perna. E isso é bom e, melhor, não é normal para quem tenha tido um acidente 24 horas antes.
Portanto, agradeço-te. Ontem foste Deus. Ontem, quando me ligaram a dizer que ela mexia a perna, acreditei que afinal até és bom. Sabes, ficar parado a assistir não é benevolente. Olha para nós, pessoas, a tua criação. Não somos civilizados. Somos frágeis. Temos acidentes e doenças. Quando não é isto, fazemos guerras e tornamos uma vida mais barata que o ar que respiramos. Tens de ter cuidado connosco. Por alguma razão, há quem te chame Pai.
Deus, obrigado. E continua o bom trabalho. Quero a minha Avó de volta. Deves-me isso.
Adeus.