Há qualquer coisa na crise que faz os portugueses irem almoçar e jantar fora. Um quase grito de desespero misturado com o abandono de esperança num futuro mais simpático. Assumir a desgraça futura pode, então, relacionar-se com gastar dinheiro, comendo e bebendo bem. Prazeres simples da vida – esses de comer e beber bem – gastando o que ainda se tem, com consciência que mais vale ali que em impostos. Impostos esses, que por sua vez, alimentam outras barrigas, obviamente com o mesmo sentimento de desistência. ‘’enquanto posso vou comer bem’’ – pensam as pessoas. ‘’Enquanto posso, vou comer ainda melhor’’ – pensam os bem-pensantes do Parlamento.
Ora veja-se a ementa: começa em bacalhau do Atlântico. Claro, seria impensável ter uma equipa de futebol no Europeu e, nós por cá, alimentarmos os nossos representantes com bacalhau artificial. Nós, tradicionalmente comedores de bacalhau – pelas minhas contas existem cerca de 324 receitas de bacalhau – temos que fornecer o melhor bacalhau a outros bacalhaus.
De seguida, as aves. A vergonha a nível internacional seria catastrófica se, porventura, os senhores do Parlamento comessem frango assado. Imagine-se um alto dignitário de uma grandiosa nação, ao visitar o Parlamento de todos os portugueses e encontrar, não um, mas todos os deputados em amena cavaqueira com uns míseros frangos assados na mesa. Seria, portanto, um desastre bíblico: pobre Dr. Paulo Portas, a ter que representar o país por esse mundo fora, sabendo de antemão que, na cabeça dos outros MNEs estaria a frase: ‘’Lá vem ele, o ministro dos negócios estrangeiros daquele país que come frango assado’’. Seria impossível conduzir qualquer tipo de acordo. Obviamente que pombo torcaz e rola, se confeccionados propriamente, devem ser obrigatórios em qualquer cantina, ou até em qualquer canto da Assembleia da República. Quais sandes de leitão, eu quero a minha sandes de rola perfumada de trufas brancas.
Obviamente, que tais iguarias podem, como se diz por aí, embuchar. Não queremos isso e a água – que não pode ser da torneira (malditos senhores das Águas de Portugal, sempre a chular o Zé Povinho – deve estar reservada apenas para aquele sítio onde se fala e faz leis e tens umas poltronas. E como país, tendencialmente católico in vino veritas! Para quem não sabe é latim e tem a ver com vinho. Aquele de cartão, por manifesta preocupação de quem não tem casa e dorme na rua, deve ser excluído das mesas parlamentares. 12 variedades de vinho verde, 15 de tinto, desde que seja alentejano ou do Douro. No entanto, parece-me pouco para uma nação com um nível fiscal igual ao dos países mais ricos da ponta mais fria da Europa. Creio que menos de 25 variedades de cada, faltando o vinho branco, é uma afronta à dignidade nacional e, como é obvio, à própria soberania.
Por esta hora, já os nossos representantes estão bem alimentados. Mas engane-se quem ache que um país com ministros a exercer tão bem certas e determinadas pressões, podem ir trabalhar com algo tão singelo como uma refeição. Segue, pois, o digestivo. Uma rola pode ser bastante indigesto, e não há-de ser um moscatel que vai resolver o problema. O whisky, aquele da Assembleia, tem de ter pelo menos uns bons 20 anos. O que seria obrigar os nossos excelsos deputados a bebericarem aquela bebida com apenas 10 anos. A afronta seria tal que o mais provável seria uma invasão espanhola.
Agora sim. Bem comidos e excepcionalmente bem bebidos os nossos parlamentares podem voltar à sua labuta diária. Salvando o país e mais, mantendo Portugal ao nível das suas refeições.