As cartas de amor são difíceis de escrever. Só parece fácil com aqueles que se usam do amor como o sentimento mais simples. São esses que provocam inveja nos outros. Estes, os que pensam o amor como um cientista pensa a ciência, serão sempre amargurados com os primeiros. Pensam como pode ser possível ser tão fácil escrever uma carta de amor. Ser tão honesto, tão cor-de-rosa e ao mesmo tempo tão cru na descrição da necessidade de complementaridade no outro. Para esses, o outro é quem os faz completos. Vulgo cara-metade.
As cartas de amor são difíceis de escrever quando deveriam ser fáceis de sentir. Declamar a entrega sentimental de um a outro deveria ser tão inocente como fazê-lo. uma carta de amor a sério é agarrar o visado nos versos. Para se escrever um texto assim, não é preciso ser poeta nem tanto dominar as letras. Basta sentir. O amor em si – enquanto condição e não como fim – deveria fazer voar. Ser livre de poder ir a qualquer sítio. O objecto amado, reciprocamente, se torna o amador. A amada está num pedestal. O amor é sorte. E é sorte conseguir escrever cartas de amor com a facilidade de respirar.
Dizem muitas coisas sobre o amor. Dizem que dói ao mesmo tempo que promovem a felicidade de amar e ser amado. Então uma carta de amor é esta dicotomia entre dor e prazer, entre sofrimento e felicidade, entre depressão e êxtase. O amor é uma coisa muito estranha. E como tal, as cartas de amor são bipolares. Notar-se-ia, nas verdadeiras cartas de amor, o ressentimento de discussões mais resolvidos e, uns parágrafos depois, na indiferença perante tais quezílias. Antes, na primeira frase, uma declaração que dispusesse todas as defesas a favor do outro. ‘’Eu amo-te’’ ou ‘’És a luz da minha vida’’ – expressões lamechas – deveriam ser regra na construção de cartas de amor. Ponto número 1 do manual de escrita de cartas de amor: declarar amor do modo mais irritante para quem não conhece ou tem o dito. Por fim, deveriam acabar com uma rendição poética-sofrida em que o escritor se rendia, formalmente, ao óbvio. A pessoa a quem é escrita a carta é maior que o mundo. Aliás, para quem escreve a carta – e a escreve a sério - o mundo é mínimo comparado com ele ou ela que lê.
As cartas de amor são difíceis de escrever porque existe uma generalidade de medo na entrega no amor. É difícil arrancar metade de si e dar a outro. Deve doer. Dói. Nessa desistência de metade de nós, há o sacrifício exigido pelo amor. É essa dor que faz as cartas de amor serem boas. Isso ou a ignorância do que se está a dar. Aos primeiros, depois de dado, nunca mais retorna. Está entregue e lá vai ficar para sempre quando a eternidade é muito tempo. Para os segundos, os virtuosos que nada sabem e apenas sentem, podem dar e ir dando. Não sabem, não sentem falta. Esses são os verdadeiros amadores e escritores de cartas de amor. Porque não dói dar metade e porque conseguem ter várias metades.
São os lamechas e os tontos que sabem o que é amor. E só o sabem porque não pensam nele. Não o esquematizam nem o analisam. É como respirar. É inconsciente e é isso que os mantém vivos. Não há melhor carta de amor que daquele ou daquela que está apaixonado. Não pensa, só sente. Aos outros, só nos resta invejar.