Expressa o facto no momento em que se fala. Pessoal e transmissível.
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Out 12
publicado por José Maria Barcia, às 00:07link do post | comentar

‘’O que queres ser quando fores grande?’’ – perguntou o meu avô. É esta a minha primeira memória dele. A primeira e a que mais vezes ouvi. Perguntou-me, sempre que me via – o que queria eu fazer com o meu futuro.

 

Era uma meia-pergunta, já disfarçada com a resposta que queria ouvir. Era-lhe estranho que eu, o seu primeiro neto, ainda não soubesse o que queria ser. Nem se assemelhava à profissão dele. Era ser. Para o meu avô, não existiu profissão. Existiu o que ele foi. Piloto.

 

‘’Quando era pouco mais velho que tu – dizia-me quando eu tinha 6 anos – já sabia o que queria ser. Vi um hidroavião a aterrar em Belém, onde morava, e vi o piloto com o cachecol ao sabor do vento e disse: eu quero voar’’. Esta era a segunda metade da pergunta – convencer-me a ser piloto. Das já esquecidas vezes que me contou, nunca deixei de ver o brilho nos olhos de quem seria capaz de voltar ao início, até ao dia em que viu o piloto do cachecol. Fazia parte da história um amigo do pai que lhe disse que ele nunca iria ser piloto, jocosamente, um típico velho do Restelo. Que lhe tivesse prendido as mãos, nunca conseguiria impedir aquele miúdo de dentes de leite a voar. Quando decidiu o seu futuro, fez mais que uma escolha. Ganhou uma certeza e passava-me isso. Foi feliz a fazer o que te escolhido como se não existisse livre arbítrio mas apenas sorte em conseguir tropeçar no destino acertado. Nunca me conseguiu vender a ideia de ser piloto por muito que tentasse explicar os benefícios de ser piloto, era impossível traduzir em palavras aquele sentimento. Ainda hoje, não sei. Por mais que tente, contento-me sabendo que ele sabia o que era voar. Esta é a primeira memória que tenho do meu avô. Desde cedo, já sabia que ia ser assim, simplesmente feliz. Os outros chamavam-lhe comandante. Estranhava isso. Era o avô. E aposto que preferia esta palavra.

 

Ensinou-me a pescar. A dar o nó certo no anzol – técnica que já me esqueci – mas lembrar-me-ei sempre que foi a única vez que o subestimei. Pensava que já era  altura de tomar conta dele por ser o meu avô mais velho. E com toda a perícia suficiente para colocar um puto de 11 anos no sítio lá ia ele de nó em nó, atando anzóis porque eu não conseguia. Pesquei dois peixes nesse dia e nunca mais tentei. Ainda hoje não consigo dar o nó. Ainda hoje me questiono do nó que ele dava, desafiando as leis da física.

 

Aprendi muito com ele e o que ainda não pus em prática, guardei para um dia mais tarde ser. Quando nasci, ele tinha 74 anos. Era um miúdo, ele. Ainda passei bons anos a conhecê-lo. A apreciar cada história que, com a devida e merecida nostalgia, me contava. Ele que sempre foi um senhor. Sempre de fato, gravata e colete, pin do colégio militar. Ele de cabeça nas nuvens, não por distracção mas porque sabia que só acima daquilo que está ao nível de todos, era feliz.

 

O meu avô morreu.

 

Com 96 anos, faz o último voo. Despede-se de vez da cama de hospital e da cadeira de rodas do lar. Larga a doença que o impedia de andar, falar e até reconhecer quem amava.

 

Das várias coisas que aprendi, foi assim que descobri que a vida é injusta. Passava-me pela cabeça como se podia passar a vida a voar, a ver o mundo reduzido à sua simplicidade minúscula e de repente, de grande como o mundo,  para pequeno. Do tamanho do sítio de onde já não conseguia sair.

 

Aqui entre nós, avô: ouvi sempre com um sorriso orgulhoso as histórias que me contavam de ti. Da estima que os outros tinham por ti. Da vida boa que tiveste – essa coisa que todos invejam, mas reservada a poucos. Tiveste uma grande vida. E também me lembro que dizias que a vida passou a voar. Literalmente e não. As coisas passam rápido quando gostamos do que estamos a fazer, não é?. E agora que foste ter com a tua Zézinha, minha mãe e tua filha, finalmente consigo descansar pelos dois. Porque só agora soubeste que ela partiu primeiro que tu e porque sei que ela já estava ansiosa à tua espera. Imagino-vos agora, abraçados, compensando os anos que passaram e não  puderam estar assim, abraçados. Por último, não vou ser piloto. Estranhamente por ser teu neto, tenho medo de voar.

 

Adeus Avô. Espero que não haja muita turbulência nesse último voo. E manda um beijinho à Mãe.

 


...ao ultimo neto. Que saibas... o teu avo foi de facto uma inspiracao, mais do que isso foi um criador um inventor mais do que um avo ele foi um pai...o Pai da aviaçao em Portugal. E se tenho a vida q tenho hoje a ele mto devo. Mtos parabens pelo avo q nos deste, mas acima de tudo mtos parabens a ti por saberes o avo q tiveste!!esse medo de voar, sera provavelmente a mesma coisa do medo de viver de mta gente, e deixa q te diga desse medo o tru avo tb nunca sofreu. Ensinou mtos pais a voar, por exemplo o meu...ele agradece e eu agradeço pq hoje sou cte. de aviao na TAP empresa q ele ajudou a fundar e de que todos os Portugueses se orgulham. Por ele e por nos, irei proseguir o sonho de a manter. Pelo cte.Marcelino; pela TAP e pelos Portugueses, ca estarei a valorizar o que de melhor existe em Portugal e que continuara a existir. Qto ao medo....tenho a certeza de q o teu avo diria...\"so temos medo do q não conhemos\"...
Não digo o meu nome a 23 de Outubro de 2012 às 02:02

O comentario anterior foi escrito por:
Gonçalo Relêgo
SPAC
Não digo o meu nome a 23 de Outubro de 2012 às 02:07

Gostei muito do teu texto. Porque, além de bonito, é verdadeiramente sentido.
Vespinha a 20 de Novembro de 2012 às 23:41

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